segunda-feira, novembro 07, 2011

MEQUINHO, REZANDO PRA CHEGAR AO TOPO.

Por Carolina Araújo

Top 3 do xadrez nos anos 70, Mequinho reza para voltar ao topo.

A rotina de Henrique da Costa Mecking, o Mequinho, 59, enxadrista que chegou a ser o terceiro melhor do mundo nos anos 70, está longe da agitação da época em que desfilava em carro aberto no Rio e era convidado para o programa do Chacrinha.
Hoje, o que move o jogador todos os dias são duas refeições, seis remédios homeopáticos, uma missa e horas de oração e estudo de xadrez.
Mas, entre os tempos de herói nacional e a vida tranquila atual, o desejo de voltar a estar no topo do ranking mundial liga as duas épocas.
"Se eu chegasse de novo a ser um dos melhores, o país inteiro teria de me apoiar."
Mequinho vive hoje em Taubaté (140 km de São Paulo), em um apartamento de dois quartos e poucos móveis comprado no início do ano.
Mora com Tiago Pereira Rodrigues, 23, 203º lugar no ranking nacional, a quem apresenta como seu treinador e assessor nos treinos.
Sai pouco. Seu compromisso diário mais rígido é ir à missa --frequenta três paróquias diferentes--, hábito que segue mesmo quando disputa algum campeonato fora da cidade. Neste ano, jogou poucos. Lembra-se de um em Campinas, um na Espanha e outro em Santo André.
Mequinho se recusa a viajar para vários países, como a Rússia, um dos principais polos do xadrez mundial e de onde vieram alguns de seus maiores rivais nos anos 70.
"Há muitos lugares a que não quero ir. Só jogo em países em que me sinta bem pela situação política e religiosa, em que os cristãos não sejam perseguidos, onde haja liberdade e democracia."
Na próxima semana, estará em Mogi das Cruzes, nos Jogos Abertos do Interior, disputa entre cidades --defende São Bernardo do Campo. Não revela quanto ganha para isso. Os melhores jogadores brasileiros costumam receber cerca de R$ 2.000 mensais.
Aumenta sua renda com palestras e simultâneas, eventos em que enfrenta vários rivais ao mesmo tempo.
Além do apartamento onde vive, tem um carro. Dinheiro, afirma, não é um problema.
"Gasto pouco. Minha casa é simples, e não me interesso por móveis ou roupas luxuosos. Aprendi que é mais fácil ir para o céu de uma cabana do que de um palácio."

DOENÇA
Mequinho descobriu a religião na época em que se afastou do esporte que o consagrou. O motivo foi a miastenia grave, doença que afeta os músculos e que foi detectada no auge da carreira.
Em 1978, o gaúcho era o terceiro colocado do ranking da Fide (Federação Internacional de Xadrez), atrás dos russos Anatoly Karpov e Viktor Korchnoi (que, posteriormente, naturalizou-se suíço).
Mas a miastenia o fez abandonar os tabuleiros. No pico da doença, quando não tinha forças para mastigar ou escovar os dentes, Mequinho entrou para o movimento católico Renovação Carismática.
Nos anos seguintes, formou-se em teologia e filosofia, tentou ser padre ("Mas vi que não era esse o caminho"). E afirma que um milagre o levou à cura da doença.
Hoje, diz estar "quase bom". Reclama de cansaço, especialmente quando joga xadrez --voltou definitivamente ao esporte em 2000.
Se está disputando um torneio, acrescenta mais um remédio homeopático a seu arsenal diário. Já a alimentação é sempre a mesma: duas vezes por dia, só alimentos naturais e sem tempero.
Mequinho diz que só vai se curar totalmente "quando Jesus quiser". Mesmo assim, afirma estar "muito vivo". "Vou fazer 60 anos agora [em janeiro]. Muita gente não me dá essa idade e diz que eu tenho dez, 15 anos a menos."
As orações, segundo o enxadrista, não curaram apenas a miastenia. Enumera outros episódios que ocorreram após "rezar muito": a redução do grau da miopia, o conserto da sua geladeira ou a cura de uma fratura no dedo.
"Há jogos em que estou para perder, e Jesus e Nossa Senhora me salvam. Claro, nem sempre escapo, senão já seria o campeão do mundo."
O temor da derrota influencia até sua relação com os fãs. Não aceita dar autógrafos em planilhas de xadrez, onde são anotados os lances das partidas. "Tenho medo de que alguém bote lá que eu perdi."
Com a cura total da doença, espera voltar a estar entre os melhores do mundo. "Se eu disser que Jesus me curou e for o último em um torneio, não vão acreditar em mim."
Mas o topo do ranking mundial está distante. Mequinho é o 253º da lista, com 2.590 pontos, e o quarto colocado entre os brasileiros. Nos últimos dois anos, afirma ter subido 48 pontos no ranking. Faltam hoje 236 pontos para igualar o número um, o norueguês Magnus Carlsen, 20.
O brasileiro, porém, não usa a matemática e a lógica, mas a religião, para explicar como alcançará a façanha. Com relatos de aparições de Nossa Senhora em Medjugorje, na Bósnia, passagens bíblicas e a proximidade do "final dos tempos", diz como será a nova ascensão no xadrez.

POLÍTICA
Do tempo em que era o terceiro melhor do planeta, feito nunca repetido no país, restaram lembranças do regime militar, que transformou Mequinho em herói nacional.
O enxadrista elogia o ex-presidente Emílio Garrastazu Médici (1969 e 1974), líder dos anos de chumbo da ditadura.
"O presidente Médici me ajudou muito. Era um homem inteligente, gostava de esporte. Em 1970, pedi a ele um cargo para deixar a faculdade em Porto Alegre, só jogar xadrez e tentar ser campeão do mundo. Ele disse: 'Sim, vou resolver seu problema'."
Mequinho foi nomeado no Ministério da Educação e se mudou em 1971 para o Rio.
No ano seguinte, tornou-se o primeiro grande mestre do país, em 1972, aos 19 anos, feito que o levou a desfilar pela cidade em carro de bombeiros com a bateria da Mangueira e a torcida do Flamengo.
Ainda ganhou dois importantes torneios da época, os Interzonais de Petrópolis (1973) e Manila (1976). Suas partidas saiam nos jornais.
Mas Mequinho, testemunha da influência que a Guerra Fria tinha sobre a elite do xadrez, também reclama das pressões daquela época.
"Os melhores do mundo sofrem uma perseguição muito grande. Veja o quanto o [Bobby] Fischer sofreu", diz, citando o americano, morto em 2008, que encerrou a hegemonia soviética ao virar campeão mundial em 1972.
Após virar símbolo dos EUA na Guerra Fria, Fischer abandonou o xadrez em 1975. Como Mequinho, tentou voltar décadas depois. Sem o mesmo sucesso de antes.

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Fotos: Caio Guatelli - 03.nov.2011/Folhapress e Fred Chalub - 20.nov.2009/Folhapress

Texto enviado pelo amigo Téia, de Paranavaí. 


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