segunda-feira, março 31, 2014

10 PERGUNTAS PARA GLÁUCIO DALLA CORTT CELLA

Na primeira entrevista do ano, o Blog Xadrez Piraí entrevista Gláucio Dalla Cortt Cella, que notabilizou-se no meio enxadrístico ao derrotar nada mais nada menos do que o atual campeão mundial Magnus Carlsen, em partida simultânea realizada em Caxias do Sul no dia 07 de março. O evento fez parte da XIII Festa da Uva, competição tradicional do calendário esportivo brasileiro. A Festa da Uva tem se destacado por trazer sempre grandes jogadores para fazer parte do espetáculo, do cenário internacional já passaram por Caxias como convidados, Ivanchuk e Polgar. Neste ano, a vinda do Campeão Mundial e número um do mundo foi um enorme atrativo.
Gláucio nos conta como foi enfrentar o campeão e o melhor, vencer. E fala ainda sobre seu projeto “Lance Mágico”.  Sem a pretensão de ser um jogador profissional o enxadrista de Francisco Beltrão segue sua rotina estudando para concursos, mas sem abandonar a nobre arte.

1. O que o levou a jogar xadrez?
Comecei a jogar xadrez aproximadamente com 7 anos, minha mãe me ensinou, e ensinou errado, disse que o peão capturava para frente, por exemplo, não gostei de cara do jogo, somente em 1999 quando tinha 11 anos é que despertei interesse pelo esporte, foi quando um professor de Educação Física em vez de simplesmente largar o tabuleiro para as crianças jogarem, passou um problema de mate em 2, era um corredor de torre, eu como não tinha técnica nenhuma e nem paciência não consegui responder, fala a verdade ninguém da sala conseguiu, quando eu soube da resposta, eu fiquei louco, era muito simples e lógico, foi ai que levei como desafio e quis aprender e desvendar o jogo. Foi paixão a segunda vista.

2. Você teve a chance de enfrentar um dos maiores nomes do xadrez em todos os tempos. Muitos gostariam de estar no seu lugar naquela partida inesquecível contra o genial Magnus Carlsen. Conte-nos como você ficou sabendo do evento em Caxias do Sul e qual foi sua reação ao saber que Carlsen estaria no evento?
Eu já havia participado em 2010 quando Ivanchuk veio, naquela época eu estava treinando forte, fiz um bom torneio, vencendo inclusive o MI Vinicius Martins e só não terminei bem colocado porque não pude jogar a última rodada, ficou aquele gostinho de quero mais, torneio super organizado, cidade bonita, Festa da Uva, celebridades por todos os lados, e um clima amistoso festivo, bem diferente do continental (único outro evento já realizado nessa mesma dimensão) só quem foi sabe do que estou falando. Quando a Polgar veio, eu estava em Curitiba atolado nos estudos e infelizmente não pude ir. Então, meu amigo Rodrigo Merlo disse que o Carlsen viria ao Brasil na festa da uva, corri ver, difícil de acreditar, o Melhor do Mundo, um torneio aberto, então descobri que teria simultânea, fiquei alvorecido. Achei o valor caro quando vi mas depois pensei, nossa, quando terei outra oportunidade dessa na vida... Corri fazer a inscrição e só depois dei conta do que estava acontecendo. Eu, um amador do interior do Paraná, iria jogar contra um campeão Mundial de Xadrez em exercício, e não contra qualquer campeão e sim contra o maior elo da história, no auge, que honra.

3. Você, certamente, entrou para a história do xadrez nacional, ao tornar-se o primeiro, e talvez único, brasileiro a derrotar um campeão mundial no auge. Você se preparou para enfrentá-lo? 
Pode ser difícil de acreditar, mas não me preparei nem para a festa da uva nem para o Paranaense sub 26. Meu objetivo maior em participar destes dois eventos era de divulgar o xadrez na região, lançando notícias no jornal, para ajudar a promover o projeto Lance Mágico. Claro que sabia quem eu iria enfrentar, conhecia seus pontos fortes e fracos, torci muito para ele ser campeão mundial, vi todas as partidas, e é o meu grande ídolo na atualidade do xadrez, Antes dele surgir eu gostava do Kramnik, mas o Carlsen é diferente, meu estilo e o dele são próximos, menos preocupação na abertura e mais no cálculo, chegar rapidamente a posições nunca antes jogadas, e principalmente criar, claro que as semelhanças param ai, é outro nível outro mundo, e outra forma de ver as coisas. Na tarde que antecedeu a partida olhei rapidamente a base de partidas dele no chesstempo e vi que ele jogava mais Ruy Lopes, dei uma olhada na variante fechada, só queria não perder na abertura. Mas na partida ele jogou 1.Cf3 e naquele instante caiu a ficha de que estava diante do melhor jogador do mundo e não tinha a mínima ideia do que responder, mas como eu sempre digo, a maioria dos males vem para o bem, a partir do primeiro lance dele eu só tinha uma meta, jogar contra um humano-computador da melhor forma possível. Não olhei mais pra ele e joguei o melhor que pude...

4. O que esperava do jogo? Em que momento você sentiu que estava com a partida ganha? 
Como a maioria dos simultanistas, meu objetivo principal era não perder na abertura, que é o meu maior déficit, sempre priorizei o cálculo e o xadrez em si, deixei a decoreba de aberturas de lado, pois tenho a visão que elas não fazem você jogar melhor e sim apenas vencer mais partidas. Se você quer ser competitivo, estude a fundo aberturas, se você quer desenvolver habilidades foque resolução de problemas. Prefiro ver o que meu adversário joga de abertura e preparar algo pra tirar ele do conforto do que jogar sempre a mesma variante da mesma maneira. Talvez o único que sinceramente acreditava em um resultado positivo antes do jogo fosse o MF Alfeu,  já que venceu a Polgar na Simultânea e empatou no torneio em 2012, ainda mais depois do e4 respondido por e6, e ele estava na sua zona de conforto. Os outros como eu, queriam durar bastante, e poder quem sabe guardar a partida num quadro, só de jogar já nos sentíamos uma celebridade. É difícil dizer como tudo aconteceu, sei que após a abertura quando pela primeira vez em uma partida pensada joguei Bg4 e ele tomou com o estranho bxc3, eu sabia que precisava de algo milagroso, sabia que seria massacrado aos poucos contra um Carlsen agressivo e um xadrez concreto, pois não conhecia nada do desdobramento daquela posição, então pensei em algo novo e criativo, e enxerguei o Lance Mágico 8... e5, a partir dali eu senti que tirei o Gênio da zona de conforto, dando uma preocupaçãozinha a mais para ele, e então joguei mais tranquilo, era como se intimamente eu sentisse que toda a vantagem que ele tinha por conhecer mais aberturas, e por calcular melhor tinha ido pro espaço, porque estávamos numa posição única, numa simultânea. E joguei a partir dali contra mim mesmo, mas claro que ainda era um amador contra o campeão mundial, contra o ídolo. Falar em ficar ganho é difícil, é melhor dizer vantagem decisiva, porque um cara com os recursos que o Carlsen tem, pode reverter partidas tidas como completamente perdidas. Eu senti que estava melhor após jogar Tb4...

5. Caso, em algum momento da partida, Carlsen tivesse feito proposta de empate, você teria sangue frio para rejeitar? 
No momento que joguei minha torre em b4, eu já sabia que podia vencer, mas sabia que ainda tinha chão, que não seria fácil, mas confesso que poucas vezes senti-me tão bem jogando uma partida e tão confiante, como eu falei, eu esqueci que estava enfrentando o melhor do mundo eu estava jogando contra mim mesmo, procurando sempre o melhor lance, então a partir daquele momento eu dificilmente aceitaria empate, aliás eu não ofereceria empate. Pois, caso ele oferecesse, seria complicado dizer não, não pela partida, porque eu não tinha medo de perder, mas por respeito ao ídolo, que reconhecendo a inferioridade  na posição antes de ficar completamente perdido teria oferecido empate, acho que se fosse assim nós dois sairíamos como vencedor, eu tenho este lado empático de tentar me colocar no lugar do outro. Infelizmente ou felizmente isto não ocorreu, e depois disso foi história. E deve ser feito a ressalva que se fosse a última partida com ele sentado a minha frente jogando 5x5 ou 3x3, ficaria difícil não ser enrolado, portanto dependendo de como estivesse a partida teria que oferecer empate. Mas na posição que ele abandonou, eu estando com uma torre a mais e um peão na sétima, preferia perder do que oferecer ou aceitar empate.

6. Com a vitória sobre Carlsen, você tornou-se uma especie de celebridade do esporte, a mídia o tem procurado e muito. Como tem reagido a este assédio?
Estou fazendo o possível para administrar as coisas, sinceramente nunca pensei em ser profissional,  e dificilmente isso vai mudar, acredito que nasci para inspirar outras pessoas mas não para ser propriamente um ídolo do esporte, prefiro ser admirado pela maneira como faço as coisas e não por tê-las feito, acho que no fundo queria ser um pouco professor como Wilson ou o Jerry, que são pessoas que todos os dias mudam a vida de inúmeras outras pessoas.
Nem facebook não tenho, acho que toma um tempo desnecessário e só nos afasta das pessoas, sem contar na invasão gratuita de privacidade, penso que as pessoas estão cada vez mais parando de vivenciar e de sonhar, para apenas admirar e reproduzir.
Só que de outro lado tem o Xadrez, tem o Lance Mágico, tem a vontade de tornar o esporte popular e isso é maior do que eu, é maior do que eu posso querer pra mim, então eu me deixo de lado, e tento pensar no que os outros fariam, pois foi me concedida uma oportunidade única, poucas vezes o xadrez foi tão exposto na mídia, tento sempre nas entrevistas falar dos benefícios do esporte, e ressaltar que sou um amador, na esperança de motivar outras pessoas a fazerem feitos incríveis e a se interessarem pelo xadrez e pelos benefícios que ele traz, mas inevitavelmente a promoção pessoal vem junto, o que é ruim, pois fica um clima ruim com os jogadores profissionais, que já conquistaram muito mais coisas e se consideram mais merecedores desta atenção do que eu.

7. Como foi sua chegada em Francisco Beltrão após tal proeza? Este feito irá ajudá-lo no desenvolvimento do xadrez em sua cidade?
As coisas mudaram muito por aqui, fui bastante prestigiado pela imprensa local, por amigos, por pessoas que não conhecia, acho que cada beltronense no fundo ficou orgulho disso, vou até receber uma placa na câmera de vereadores. No fundo as homenagens não significam grande coisa para mim, como dizia Aristóteles, “a grandeza não consiste em ganhar honras, mas sim merece-las”, mas significa muito para o xadrez, quando poderíamos imaginar que alguém iria ganhar uma placa, uma menção honrosa por um feito no xadrez.  
Quanto ao xadrez na cidade, inegavelmente tivemos um 2013 terrível, com a troca de administração perdemos o espaço do clube, perdemos um coordenador de xadrez que entendesse e incentivasse o esporte, pararam os torneios apoiados pela prefeitura, fomos rebaixados nos jogos da juventude e não tivemos equipe para os abertos. As coisas só não terminaram de vez porque o Clube, foi atuante, porque eu a Dulcinéia, Fernando, Adriano, Hércules e outros jogadores, não mediram esforços para promover eventos e o ensino. Agora temos outra realidade, além do Lance Mágico o professor Jerry Pilati conquistou uma sede para o clube, e um amplo espaço para dar capacitação de professores e promover eventos, aliado a isso a Secretária de Esportes já sinalizou no sentido de apoiar o xadrez, inclusive já voltamos a representar a cidade no paranaense de menores, conquistando alguns bons resultados, se conseguirmos manter o ritmo em breve faremos frente as grandes cidades novamente.

8. Outra grande celebridade mundial, o ator Arnold Schwarzenegger, promoverá no Brasil o "Arnold Classic Brasil", de 25 a 27 de abril, no Rio Centro. O ator, um grande amante do xadrez, fez questão de incluir a modalidade entre os eventos que promoverá. Você acha que isso ajudará o xadrez conquistar novos investidores e com isso alavancar ainda mais a modalidade no país?
Com certeza ajuda, fale bem, fale mal, mas fale... O Xadrez só vai ser levado a sério quando pessoas importantes levarem ele a sério, quando a mídia se sentir confortável pra falar de xadrez sem ser criticada por falar errado o nome da jogada, ou por errar o evento etc... Precisamos todos ser mais tolerantes, e mais, precisamos pensar sempre que não interessa sobre o que estão falando, mas que estão falando de xadrez. Outro aspecto é que dificilmente o xadrez vai ser popular enquanto os jogadores de elite não forem populares, a impressão que fica é que quanto mais o cara sobe o nível mais ele sobe o ego e mais distante ele fica de quem está lá embaixo, assim fica difícil criar ídolos e divulgar o xadrez.  Penso que falta um pouco da responsabilidade de campeão para os enxadristas, de saber que ao chegar no topo ele tem o dever de contribuir para que o esporte cresça, penso que não custa nada para um GM ou MI que vive do xadrez, sair pelo brasil promovendo simultâneas dando palestras, jogando torneio abertos, porque na pior das hipóteses isso voltaria em alunos ou em patrocínio, agora me diga quem que vai querer patrocinar um cara que não aparece, num esporte que não é tão popular... Faça uma pesquisa, pergunte para 100 pessoas fora do xadrez, quem é Rafael Leitão? Ou Giovani Vescovi, ou Gilberto Milos? Penso que antes de querermos ser fortes como esportistas deveríamos pensar em tornar o esporte forte.  Mas as coisas estão melhorando muito, principalmente no Paraná, com o Bolivar, com o Wilson, com o Rogério, e outros que além de promoverem o xadrez em suas cidades buscam torna-lo acessível a todos.

9. Francisco Beltrão foi por muito tempo uma das maiores referências em xadrez escolar no Brasil, inclusive com um dos maiores professores desta área, Professor Jerry Pilati, sendo o responsável pela tradução e divulgação do livro "Por que Xadrez nas Escolas?", de Uvêncio Blanco. Qual sua participação neste projeto?
Não posso ganhar o crédito por algo que eu não fiz, o Jerry fez história na cidade e no Estado, lutou muitas vezes contra tudo e contra todos, fez com que por 12 anos o xadrez fosse uma espécie de segundo esporte da cidade, atrás apenas do futebol, lançou o livro, que é uma referência nacional, e fez tudo isso sozinho. No máximo servi de incentivo.

10. Quais seus planos futuros em relação ao Xadrez?
Antes mesmo de vencer o Carlsen, criei o Lance Mágico. Quero convencer as pessoas que o xadrez desenvolve lógica, velocidade de raciocínio, calculo memória, e muito mais... Temos o site www.lancemagico.com, onde tem mais informações, pretendemos atingir mais de uma centena de alunos e promover inúmeros eventos.
Pessoalmente quero disputar algumas competições, como continental, brasileiro sub 26, e jogos abertos se possível.

Considerações Finais.
Por fim quero agradecer a todos que tornaram este sonho possível, a quem jogou a simultânea e endureceu o jogo, (pois não se vence sozinho), quero agradecer aos amigos, e em especial a quatro pessoas, a minha noiva e companheira Laryssa Borghezan, que esteve junto nesse e em muitos outros momentos marcantes da minha vida. Ao Professor Jerry Pilati, por nunca ter perdido as esperanças com o xadrez, por ter ajudado muito na divulgação e por ter sido como um pai, e a Dulcinéia Betti  e o Rodrigo Merlo, que desde o início acreditaram em mim, no projeto Lance Mágico, e no xadrez.

Agradeço o convite do Maurides, é uma honra dividir este espaço do Blog que já teve inúmeras celebridades entrevistadas, e espero que após este “milagre” todos nós enxadristas passemos a acreditar mais no impossível durante as partidas, no tabuleiro e na vida, desafiar menos os outros e mais nós mesmos, esquecer o passado e o futuro, e procurar o Lance Mágico de cada posição.

Nenhum comentário: