Publico texto interessante do nobre Iridio Moura, grande amigo pessoal e companheiro do Clube de Xadrez de Curitiba.
Realmente, amigo, o Xadrez é simples, nós é que o complicamos.
Considero o tema da “torre virada”
no xadrez, mais importante do que se possa pensar a princípio.
Ao colocar um peão na oitava, seguir a clara regra e clamar ao árbitro,
para que este forneça uma dama, equivale a transformá-lo em boleiro (catador e
repositor de bola) no tênis de campo ou em gandula no futebol, sem deméritos a
estas nobres funções.
Creio que o árbitro no xadrez tem tarefas bem mais críticas a cumprir.
Visto que a promoção de peão se verifica normalmente em estágios
avançados da partida, a possibilidade de acontecer concomitantemente a
ocorrências noutras mesas, em que seja mais necessária a presença do árbitro, é
aumentada. Nestas situações, qual a penalidade a quem, em vez de apelar ao
árbitro, pule a cerca para pegar uma dama em tabuleiro vizinho?
No ambiente dos jogos de xadrez, em que se exige silêncio, é óbvio que
barulhos devem ser evitados. Isto inclui evitar chamar o árbitro, às vezes aos
berros, conforme muitas vezes se ouve, dependendo do ambiente, a discrição do
chamador, a distância e grau de audição do árbitro.
Sem teoria conspiratória, numa
hipótese absurda, mas desde que absurdo não é ‘abmudo’, o grito chamando o
árbitro pode até funcionar como sinal a outros jogadores, mormente em disputa
em equipe. No caso, o berrador, se não está preste a coroar o peão, pode pedir
desculpa por “se enganar” ou alegar que está se preparando para a
possibilidade, ainda que remota, de futura promoção. Qual a punição disto?
Por falar em ‘abmudo’, com todo o respeito e carinho com quem tem
dificuldades permanentes ou transitórias na fala, como um mudo chamará o
árbitro? E o constrangimento que passará um fanho?
No caso dum gago, em caso extremo, pode acontecer de ao chamar o
árbitro, antes dele conseguir falar bi, os solidários próximos de mesa já lhe abanaram
no rosto o que tinham perto ou fizeram respiração boca-a-boca, na falta de tubo
de oxigênio.
Como o árbitro entenderá e atenderá quem implorar a dama numa língua que
lhe pareça grego?
A paralisação do relógio, em quaisquer circunstâncias, geralmente é
crítica. Há maravilhosos relógios, operários incansáveis, que continuam andando
e trabalhando mesmo após ‘parados’.
Além disso, o tempo adicional que se tem pra examinar a partida,
enquanto se espera que a Srª Dama se digne a vir, contraria o espírito do uso
do relógio, pra marcar o tempo real de reflexão de cada um, durante seu lance.
E durante a espera o promovedor, no
tempo morto, tempo de ninguém, pode examinar e concluir que coroar dama não é o
melhor. Daí quando o árbitro chegar com a dama ele vai dizer “Desculpe, eu quis dizer bispo (torre ou
cavalo)”? Como é que fica se ele já declarou o que iria coroar, mas não
efetuou a transformação?
Entendo que essa regra, ainda que bem
intencionada, é no mínimo elitista, alienada, complicadora e preconceituosa.
Elitista por julgar que sejam
privilegiadas as condições de todos os organizadores, com árbitros e peças
sobrando. Alienada, por consequência, ao desconhecer ou desprezar a realidade
de muitos, talvez a maioria.
Complicadora por envolver a parada do relógio e a intervenção do
árbitro, qual garçom sem bandeja, que de repente pode pretender remuneração por
dupla função (brincadeirinha, é claro).
É bem mais simples a virada de uma torre! Por mais que algum figurinista/
estilista, com senso estético apurado e/ ou cheio de ‘frescura’ ache que falte
um toque de charme pra nova rainha, com chapéu chato de feltro, de chumbo
aparente ou um oco no lugar da coroa.
Preconceituosa por prejulgar que um jogador, após promover o peão a dama
e acionar o relógio, ao constatar que seria melhor promover outra peça, possa
alegar que a torre de pernas para o ar é torre, bispo ou cavalo.
É estranho coroar torre e colocá-la
invertida. E é raríssimo promover um bispo já tendo dois clérigos no tabuleiro
ou um cavalo com uma parelha de equino no páreo. Se não tem é porque algum está
à margem do tabuleiro. Certo?
Considerando tudo declaro minha disposição em fazer um protesto pacífico
ao Regulamento da FIDE, que nem poderá ser caracterizado como desobediência
civil, pois legal, sem gritos de palavras de ordem, sem faixas e/ ou cartazes,
sem nariz de palhaço, sem tirar a roupa, sem deitar no chão, sem jogar tomates,
ovos, moedas...
Como para o Regulamento da FIDE torre virada continua sendo torre, para
caracterizar meu protesto, iniciarei as partidas da próxima etapa do Circuito
CXC 2013 de Xadrez Rápido com as torres viradas, com todo o respeito. E
continuarei com elas plantando bananeira, enquanto o adversário e/ ou a
arbitragem não se incomodarem e permitirem.
Assim, pelo menos haverá alguma coisa de diferente no início de minhas
partidas.
Espero que meus adversários
compreendam, não estranhem e nem considerem desrespeito. Longe disto.
Se coroar
algum peão em torre a colocarei na postura habitual, pra não ser incoerente com
o que disse estranhar.
Afirmo que esta atitude não é de protesto à
organização e arbitragem do Circuito CXC, que tem sido de excelente qualidade,
da mais alta competência e lisura, uma das razões pelas quais tenho sido o mais
assíduo aos torneios.
Para quem, talvez com toda a razão, ache ridículo este gesto, expresso
minha opinião que a regra em questão e/ ou sua interpretação consegue ser ainda
mais ridícula.
Iridio Moura, com a camisa do Barça.
É fácil imaginar alguém berrando pelo árbitro, talvez até dizendo
“Árbitro, dama!” e se ele não for dama não gostar da cantada, digo chamada. Mas
o árbitro se despencar, trazer a dama, ela ser colocada no tabuleiro e ela em segundos ser tomada, como muitas vezes acontece,
é ridículo! Ou não é? Neste ínterim não afetou o entorno?
Aos que entendem que estou perdendo tempo e teria coisas mais
importantes a fazer, confidencio que é exatamente isto que penso de quem
estipulou esta regra e/ ou entendimento de regra.
A organização de um torneio pode
optar, dentro de alguns parâmetros, na cadência de jogo, modalidade de disputa,
sistema de emparceiramento, critérios de desempates, tipo de peças/ tabuleiros/
mesas/ cadeiras/ relógios, horário das partidas, local, tempo de tolerância
para estar na mesa, uso do celular, etc.
Assim proponho que convencionem no regulamento do torneio, para todos os
efeitos, que “torre virada” é considerada dama e só dama, sem confundir com
qualquer outra peça. Simples!
Porém, se a opção for manter a disposição
criticada, é recomendável nos regulamentos que determinam aos participantes
trazerem peças, que estipulem trazerem duas ou mais damas de cada cor.
Para uma torre, salvo as raras pontudas ou rombudas, o procedimento de
ficar de pernas para o ar, além de já estar arraigado, é mais simples, fácil,
prático, rápido, barato, silencioso, seguro, menos interventor e perturbador do
ambiente! E justo!!
“En passant”: homenageio o
Justo Reinaldo Chemin, novo Mestre Nacional de Xadrez, que levantou este
assunto! E concorde lembro uma frase que nas palestras ele geralmente fala: “O xadrez é simples, nós é que
complicamos!”.
Em muitos ambientes organizacionais,
para quem está complicando algo, há um gesto de mandar um beijo, às vezes
acompanhado da palavra KISS, em inglês, no caso acrônimo de “Keep It Simple, Stupid”.
A essência da burocracia é criar dificuldades para vender facilidades e
há até o pensamento “Se é possível
complicar, para que facilitar”. No xadrez aprendi que dentro do tabuleiro
só se deve complicar quando se está em desvantagem e simplificar ao estar em
vantagem, mas fora dele me parece que o ideal é geralmente o contrário.
Um abraço aos que tiveram paciência e compreensão com esta mensagem e um
beijo inglês (bem diferente do soco inglês), aos outros, sem chamar ninguém de
estúpido.
A quem achar que compliquei e retribuir com “beijinhos, beijinhos”, não responderei “tchau, tchau”, pois o exercício do
contraditório, o direito sagrado que os jogadores têm de fazer seus lances, e
na impossibilidade ou desistência deles cumprimentar o adversário, é dos
aspectos que mais admiro no nobre jogo-ciência-arte do xadrez.
Estou bem ciente que esta é uma posição
modestíssima, de alguém na enorme multidão, onde “Gens una sumus”. Sei
também que a FIDE nem tomará conhecimento de tal fato, ainda que eventualmente
seja informada dele. Pelo menos faço a minha parte e sem me omitir espero que
agora a torre que se vire.
Pra simplificar e sintetizar tudo, fico
apenas neste clamor que repito: A TORRE QUE SE VIRE!!!
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