segunda-feira, fevereiro 27, 2017

10 PERGUNTAS PARA O GM EVERALDO MATSUURA - BICAMPEÃO BRASILEIRO

O blog Xadrez Piraí inicia o seu ciclo de entrevistas de 2017 com o bicampeão brasileiro de xadrez, o Grande Mestre paranaense Everaldo Matsuura. 

Nesta entrevista o Mestre nos conta um pouco sobre o seu início de carreira, seus momentos marcantes e suas expectativas para o futuro. 

Everaldo Matsuura é um enxadrista brasileiro. Nascido em Maringá, no Paraná, em 1º de outubro de 1970, Matsuura se tornou Mestre Internacional (MI) aos 26 anos. Iniciou-se no jogo de xadrez graças ao seu pai e seus dois irmãos (entre eles, o MF Frederico Matsuura). Já foi Campeão Paulista (1998), Paranaense (2002), Catarinense (2003) e Brasileiro (1991 e 2016), tendo conquistado o primeiro campeonato nacional quando tinha 21 anos. Venceu, ainda, o Campeonato Panamericano (1993) e é cinco vezes Campeão Brasileiro de Jovens.
Em 2001 e 2003, Matsuura também foi vice-campeão brasileiro de xadrez, além de representar o Brasil em Olimpíadas de Xadrez.
Entre suas mais expressivas conquistas, destacam-se ainda o 4º lugar no Mundial de Cadetes, disputado em Rio Gallegos, Argentina (1986), duas participações em Olimpíadas de Xadrez, representando o Brasil, e a classificação inédita para a Copa do Mundo da FIDE, com o 6º lugar no IV Torneio Continental de Cali, Colômbia (2007).
Em 7 de dezembro de 2010, conseguiu a sua norma definitiva de Grande Mestre. O título de GM é concedido a jogadores que possuem três normas e um rating ELO acima de 2500.

XP: Qual a sensação de conquistar novamente o título mais importante do xadrez brasileiro?
R: Foi realmente uma grande satisfação ter vencido novamente o Campeonato Brasileiro Absoluto, após um intervalo tão longo (a outra vez foi em 1991, 26 anos atrás). Principalmente por ter jogado um bom xadrez e pelo torneio apresentar  jogadores tão competitivos e fortes, como os GMs Fier, Krikor e El Debs e também as novas estrelas ascendentes MI Renato Quintiliano e Vitor Carneiro (que fez uma norma de MI no torneio). Claro que todos merecem destaque , pois de alguma forma ou de outra , passaram por etapas classificatórias. É claro também que alguns grandes nomes do xadrez brasileiro não estavam presentes, mas isso certamente não invalida o que foi dito acima.

XP: Como foi sua preparação para o campeonato brasileiro?
R: Previamente ao torneio não fiz nenhuma preparação específica. Um pouco antes tinha jogado o Aberto do Brasil Terra Viva em Brasília e o Floripa Open, então preferi poupar as energias. Na verdade não tenho o costume de me preparar de antemão para algum torneio específico. Sempre quando estudo em casa procuro assimilar as ideias, mas não fico pensando muito em qual momento vou aproveitá-las. Um pouco antes das partidas penso se posso contra determinado jogador aproveitar alguma coisa que estudei e que me lembro, mas às vezes esse processo só se dá depois que a partida já começou. Agora, o que fiz durante o torneio foi ver algumas partidas de alguns jogadores que não conhecia bem, ou que a muito não via jogar. No mais procurei fazer a minha corrida matinal no Aterro do Flamengo, que tem uma paisagem muito bonita, e nas tardes livres fui ao cinema e também ao Museu do Amanhã. Ou seja, no geral procurei deixar a mente descansada para as partidas.

XP: Qual foi o momento mais marcante de sua carreira?
R: Difícil dizer qual foi o mais marcante. Poderia citar alguns: quando joguei minha primeira partida de torneio (foi nos Jogos da Primavera em Ponta Grossa/PR , no começo dos anos 80; era um torneio de escolas por equipes e essa partida terminou empatada por afogamento); quando joguei o Mundial sub-16 na Argentina (em 1986, terminei em 4.º); primeira final de Brasileiro (São Paulo/1988 , 3.º lugar); Campeão Brasileiro Absoluto pela primeira vez (Bebedouro/SP , 1991); primeira norma de MI (Curitiba/1993);  título de MI (1995); primeira norma de GM Guarapuava/PR, 2006); classificação para a Copa do Mundo (Continental de Cali, 2007); título de GM (Brasileiro Absoluto-Americana/ 2010) e por último agora nesse Brasileiro.

XP: Quando não está treinando ou participando de eventos, o que faz nas suas horas vagas?
R: Meus principais hobbies são: correr no parque, ir ao cinema e ler um bom livro.

XP: O que você pensa sobre o formato do Campeonato Mundial?
R: Particularmente eu preferiria um torneio com 8 jogadores em duplo turno , como aconteceu em 2005 (ganho pelo Topalov) e 2007 (ganho pelo Anand). Seria como se fosse o torneio de Candidatos atual, só que valendo o título direto (seriam 7 classificados mais o Carlsen que é o atual campeão ). É claro que o formato de matches tem o seu charme e no passado pudemos ver encontros épicos, como por exemplo: Alekhine-Capablanca (pela genialidade e diferença de estilos), Fischer-Spassky (pelo contexto histórico) e mais recentemente Kasparov-Karpov  (pela qualidade técnica e pela rivalidade). Mas acho que num torneio um jogador tem que demonstrar mais versatilidade, pois tem que enfrentar estilos diferentes. Ou seja, tem que ter mais cartas na manga.  A meu ver o último grande match, aquele que apresentou mais partidas e ideias interessantes foi Anand-Kramnik em 2008. Nos últimos tempos vimos um xadrez empreendedor mais no Torneio de Candidatos do que no próprio Campeonato Mundial. Nesse último entre Carlsen e Karjakin o mais emocionante foi ver as duas defesas épicas do Karjakin nas partidas 3 e 4 (o que por si só já valeu o ingresso!). A questão é que num match os jogadores podem ter mais a abordagem de não perder, do que propriamente a de ganhar.

XP: Carlsen caminha a passos largos para ser o melhor de todos os tempos?
R: Bem, a resposta a essa pergunta vai depender muito dele mesmo. Na verdade eu acho que ainda está a uma grande distância do Kasparov, a quem considero o melhor da história. Nessa avaliação estou considerando brilhantismo nas partidas e ideias; contribuição para o desenvolvimento da teoria (não apenas das aberturas); distância em termos técnicos em relação aos outros jogadores e longevidade (ficou 20 anos como o melhor do mundo). Daqui a uns dez anos podemos voltar a discutir esse assunto, mas por enquanto ainda está fora de questão.

XP: Qual a sua expectativa para o Zonal 2.4?
R: Quanto a minha participação não tenho qualquer expectativa com relação a resultados. Espero apenas estar em boas condições para jogar boas partidas.

XP: No inicio de sua carreira, quais os jogadores em que você se inspirava?
R: No começo não tive nenhum, mas um pouco antes de me tornar mestre internacional estudei profundamente Botvinnik.  A base do meu pensamento posicional vem dele. Mas estudei outros campeões mundiais com atenção também: Kasparov (provavelmente o que mais me influenciou na parte da dinâmica), Karpov, Smyslov,  Alekhine, Tal, Anand e outros com menos profundidade. No Brasil o jogador com quem mais aprendi (vendo as partidas e enfrentando) foi o grande mestre Gilberto Milos.

XP: Quando resolveu tornar-se um jogador profissional?
R: Essa é uma pergunta difícil. Acho que eu apenas me tornei um profissional, não resolvi ser um. Nesse momento sou talvez mais um treinador profissional do que jogador profissional.


XP: Seu irmão, o MF Frederico Matsuura, também é um grande enxadrista. Vocês costumavam treinar juntos?

R: Na verdade tenho dois irmãos que fazem parte da história do xadrez paranaense (o meu pai também faz, em tempos passados foi presidente da Federação Paranaense de Xadrez), pois estão na galeria dos campeões paranaenses: o Horácio e o Frederico. O Horácio não está mais jogando (mas quem sabe  algum dia ele volte) e o Fredy é um mestre fide bastante ativo. Porém, curiosamente não costumávamos estudar juntos!

Partida analisada pelo GM Everaldo, que considera a sua partida favorita. 
Milos Jr, Gilberto (2594) x Matsuura, Everaldo (2500) – Defesa Siciliana [B33]

Paulista 2008 (5.1), 28.06.2008

[E.Matsuura]


Esta é uma das minhas partidas favoritas , talvez a mais favorita de todas. Certamente não é perfeita, mas nela consegui criar ideias de ataque que me deram grande satisfação. Outro detalhe é que consegui vencer um grande jogador,a quem tenho o maior respeito e que me venceu muitas vezes.


1.e4 c5 2.Cf3 Cc6 3.d4 cxd4 4.Cxd4 Cf6 5.Cc3 e5 6.Cdb5 d6 7.Bg5 a6 8.Ca3 b5 9.Cd5 Be7 10.Bxf6 Bxf6 11.c4 Bg5?! [Alguns meses antes dessa partida eu tinha jogado contra o mesmo adversário o lance: 11...b4 No entanto ,fui lentamente superado posicionalmente e por milagre escapei com um empate. Para a presente partida decidi dar um caráter mais dinâmico , ainda que à custa de um peão. O lance da partida já tinha sido jogado, e a referência que tinha era : Rodrigo Fontana - Kaiser Mafra.] 12.cxb5 Da5+ 13.Cc3 [13.b4!? Cxb4 14.Cc4 Cc2+ 15.Re2 Da4 16.Cdb6 Cd4+ 17.Rd3 (17.Dxd4?? Dc2+ A. Giaccio- E. Matsuura , São Paulo , 2006.) 17...Db4 e a posição é extremamente complicada.] 13...Cd4 14.Cc4 [No Floripa Open desse ano (2017) o Diogo Duarte jogou comigo: 14.Bd3 , e me venceu rapidamente.] 14...Dd8 15.bxa6 0–0 16.Bd3 f5 17.0–0 [17.exf5] 17...f4 18.f3 Bh4!? 19.Cd5 Txa6 20.Dd2 [20.b4] 20...Bg3! 21.b4 [21.hxg3 fxg3–+] 21...Ta7 22.Ca5 Dh4 23.h3 g5 24.Bc4 Rh8 25.Cb3 g4 26.fxg4 [26.Cxd4 gxh3 27.Cf5 (27.gxh3 Tg7) 27...Bxf5 28.exf5 hxg2 29.Dxg2 Tg7–+] 26...f3! 27.Ce3 [27.Cxd4 f2+ 28.Rh1 Bxg4 29.Cf5 Dxh3+! 30.gxh3 Bf3#] 27...Bf4 28.Cxd4 [28.Df2 Dxf2+ 29.Rxf2 Bxe3+ 30.Rxe3 Cc2+ 31.Rd2 (31.Rf2 fxg2+ 32.Rxg2 Txf1 33.Txf1 (33.Rxf1 Cxa1 34.Cxa1 Tc7 35.Bd5 Tc1+–+; 33.Bxf1 Cxa1 34.Cxa1 Txa2+–+) 33...Ce3+ 34.Rg1 Cxf1 (34...Cxc4 35.Tf8+) 35.Bxf1 Txa2µ) 31...Cxa1 32.Cxa1 fxg2 33.Txf8+ Rg7 34.Tf1 gxf1D 35.Bxf1 Bb7 36.Bd3 Txa2+ 37.Cc2 d5 38.exd5 Bxd5µ] 28...exd4 29.Dxd4+? [29.Cf5 Txf5 30.Dxd4+ Be5 31.Df2 (31.Dxa7 Dg3–+) 31...Df6 32.Tad1 fxg2 33.Dxg2 Tf4µ; 29.Txf3! dxe3 (29...Bxe3+ 30.Dxe3 dxe3 31.Txf8+ Rg7 32.Tg8+ Rf6 33.Txc8 Re5÷) 30.Db2+ Df6 31.Dxf6+ Txf6 32.Taf1 Tc7 33.Be2 Tcf7 34.g3 Be5 35.Txf6 Txf6 36.Txf6 Bxf6 37.Rg2÷] 29...Be5 30.Dxa7 [30.Dd2 Dg3 31.Txf3 Dh2+ 32.Rf2 Txf3+ 33.Rxf3 Df4+ 34.Re2 Bxa1–+] 30...f2+–+ 31.Txf2 [31.Rh1 Dg3] 31...Dxf2+ 32.Rh1 Dg3 0–1



O Blog Xadrez Piraí agradece a entrevista com o GM Everaldo Matsuura.

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