O Blog Xadrez Piraí tem a honra de publicar entrevista com uma das maiores autoridades em educação e xadrez no Brasil. Dr. Wilson da Silva, é sem dúvida, um dos maiores contribuintes no estudo científico-educacional da modalidade.
Seus estudos acerca da aplicação educativa do xadrez são referência em todos país.
Nesta entrevista, Dr. Wilson da Silva fala um pouco sobre o inicio com o xadrez, relação xadrez-Cref (assunto polêmico), a importância profilática da modalidade, entre outros temas importantes.
Para saber mais sobre o Dr. Wilson da Silva acesse:
Quando
começou seu envolvimento com o jogo de Xadrez?
Aprendi a jogar xadrez em 1974 ou 1975, no Colégio Estatual
Núcleo Social Yvone Pimentel, na 3a ou 4a série, nas
aulas de Educação Física no dias de chuva, pois a escola não tinha quadra
coberta e tínhamos que ficar em sala fazendo alguma atividade. Depois desse
período voltei a ter contato com o jogo de xadrez no Clube Erbo Stenzel, que
descobri por acaso quando fazia um curso de teoria musical, época em que tocava
numa banda de rock.
Você é
coautor do livro “Xadrez, primeiros passos”, que é considerado um Best Seller
no assunto, quando surgiu a ideia de publicá-lo?
A ideia foi do GM Jaime Sunye (que alias deveria ser coautor
do livro), que percebeu a necessidade de uma metodologia para o ensino do
xadrez no Paraná. Sunye conhecia bastante bem as metodologias utilizadas nos
principais países que utilizam o xadrez como ferramenta pedagógica, e
disponibilizou esse conhecimento para a elaboração do livro “Xadrez, primeiros
passos”, que depois transformou-se no livro “Meu Primeiro Livro de Xadrez”.
No
documentário “Kasparov x Karpov”, do Canal +, Karpov sugere que o Xadrez possa
ter sido criado por extraterrestres, por outro lado, no mesmo documentário,
Kasparov afirma que o Xadrez é um produto da mente humana e que podemos nos
orgulhar ao pensar que os homens foram capazes de inventar um jogo tão
complicado. Qual sua opinião a respeito?
Acho desnecessário recorrer a explicações extraterrestres
para explicar a origem do xadrez. O historiador Harold Murray, na sua obra “A
History of Chess” mostra que o xadrez evoluiu de um jogo indiano ancestral
chamado Chaturang, que por sua vez evoluiu de outros jogos mais simples
praticados na região. Existem diversas teorias no campo da Biologia, da
Psicologia e da Pedagogia que explicam bastante bem o surgimento do
comportamento lúdico e dos jogos em
geral.
Recentemente
você realizou palestra tendo como tema os conflitos existentes no filme “Lances
Inocentes”. Que conflitos são esses?
O conflito mais importante que vejo nesse filme é o pai (ou
o treinador) transferir para o filho (ou aluno) a responsabilidade de realizar
aquilo que ele, pai, gostaria de ter realizado, muitas vezes não respeitando os
desejos do filho. Vejo esse conflito muitas vezes nos esportes em geral e
também na educação, onde os pais muitas vezes querem escolher a carreira dos
filhos.
Você acha
que o Xadrez poderia ser mais bem contemplado nos programas de governo,
sobretudo os atletas, com incentivos financeiros como, por exemplo, o
bolsa-atleta?
Penso que é muito difícil desenvolver a expertise, em
qualquer área, sem recursos financeiros e muito trabalho. Os estudos no campo
da Psicologia da Expertise mostram que é necessário pelo menos 10 anos de intensa
prática (ver o conceito de Prática Deliberada de Ericsson) para chegar ao nível
internacional. Neste sentido, o apoio financeiro não pode ficar restrito ao
“paitrocínio”, e os governos (municipais, estaduais e federal) devem fornecer o
suporte financeiro para que os atletas tenham a tranquilidade necessária para
desenvolver sua expertise.
Opine
sobre a relação Xadrez-CREF, em que o Conselho Regional de Educação Física
exige por parte dos professores o registro no sistema. Nos Jogos Oficiais do
Paraná (JOJUPS / JAPS) sempre isso é cobrado.
Quando o xadrez não demostrava ainda a força e a organização
que se pode ver hoje, o CREF não dava a mínima para enquadrar o xadrez no CREF.
Agora que demostramos uma boa capacidade de organização e um numero grande de praticantes
do xadrez no Estado do Paraná, eles nos olham com outros olhos. Penso que pela
características idiossincráticas do xadrez (ser uma modalidade esportiva, mas
também ser uma atividade cognitiva), a FEXPAR deve se posicionar contra tal
imposição.
Existe um
consenso com relação à idade que a criança deve começar a aprender o xadrez?
Quando comecei a ensinar o xadrez para crianças, no final
dos anos 80, utilizávamos o referencial piagetiano, que apresenta 4 fases no
desenvolvimento do pensamento lógico do sujeito: Sensório Motor (+ ou – de 0 a
2 anos); Pré Operatório (+ ou – de 1,6 a 7 anos); Operatório Concreto (+ ou –
de 7 a 12 anos); e Operatório Formal (a partir
de 12 anos). Pensávamos da seguinte forma: como o xadrez é um jogo que
exige o pensamento lógico, deve ser ensinado aproximadamente com 7 anos (inicio
das operações concretas), o que na escola coincidia com a 1 série. Hoje temos
certeza que é possível ensinar xadrez a uma criança com 4 anos, contanto que o
professor conheça as características do pensamento infantil nessa faixa etária
e respeite essas características.
Existe uma
frase atribuída ao Millôr Fernandes em que ele afirma que “Xadrez é um jogo que
desenvolve a inteligência necessária para jogar xadrez”, meio desdenhoso, não
acha?
Pois é...essa frase do Millôr sempre me incomodou. Eu via
algumas pessoas repetindo essa frase e nem sequer sabia se era mesma do Millôr.
No meu estudo de doutorado, sobre a relação entre o jogo de xadrez e o
pensamento lógico, fui atrás dela e a encontrei, e é exatamente como você
menciona. Do ponto da Psicologia Cognitiva, a frase do Millôr não está muito
equivocada, pois os estudos nesse campo mostram que quanto maior é a
especialidade numa área, menor é a sua transposição para outros domínios. Veja por
exemplo a memória: a memória dos enxadristas é extraordinária, mas somente para
assuntos relacionados ao xadrez. Quando testes de memória são feitos com
jogadores de xadrez, envolvendo material a ser memorizado que não tem relação
com xadrez (ou memorizar uma posição no tabuleiro com as peças colocadas
aleatoriamente), a memória dos enxadristas não se mostra superior a média.
Como os
conceitos de Piaget sobre organização e adaptação podem ser aplicados ao
Xadrez?
Piaget é um dos gigantes da psicologia do século XX. Seus
estudos sobre o desenvolvimento cognitivo influenciaram muito a educação na
segunda metade do século XX, e o jogo de xadrez, pensando como um conteúdo a
ser aprendido, também se beneficiou. Acho que o conceito mais interessante
nesse caso é o conceito de equilibração, que mostra que a inteligência avança
por sucessivos desequilíbrios e reequilíbrios, chegando sempre a um patamar
superior. Nesse sentido, o jogo de xadrez pode ser uma ótima forma de
desequilibrar a estrutura cognitiva do sujeito!
O Xadrez
como a ferramenta multidisciplinar que é, torna-se um agente extremamente
importante na inclusão social. Com base nisso, e em sua visão científica e
educacional, como o Xadrez pode melhorar a qualidade de vida das pessoas,
sobretudo as com necessidades especiais?
Você tocou num ponto crucial. Acredito que o que está
tornando o xadrez tão popular são seus
benefícios educacionais e suas características profiláticas. Do ponto de vista
profilático, estamos iniciando um estudo (por enquanto na fase de revisão de
literatura) sobre a possível correlação do estudo e pratica do jogo com a
doença neurodegenerativa Mal de
Alzheimer, buscando melhorar a qualidade de vida das pessoas na terceira idade.
Sobre as pessoas com necessidades especiais, vejo o xadrez como um jogo que é
possível praticar a inclusão propriamente dita: deficientes visuais,
deficientes auditivos, deficientes físicos e deficientes mentais leves e
moderados podem praticar o jogo com pouca ou nenhuma adaptação. Acho que a
FEXPAR poderia ir mais a fundo nessa ideia. Tenho conversado muito com o Paulo
Virgilio (Presidente da Fexpar) sobre isso.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS.
Para os interessados em aprofundar as questões ligadas ao
xadrez como instrumento pedagógico, recomendo a leitura do livro que organizei:
Xadrez e Educação: contribuições da ciência para o uso do jogo como instrumento
pedagógico.
Obrigado pelo convite e pela tua iniciativa de discutir esse
assunto que é tão caro para mim também para os professores de xadrez.
O Blog Xadrez Piraí agradece ao Dr. Wilson da Silva pela entrevista.
7 comentários:
Parabens mais uma vez Maurídes...hoje avançamos um largo passo na direção da comprovação do "Por que Xadrez nas Escolas".
Parabens Wilson da Silva...um belo livro e uma sábia entrevista.
Muito obrigado! Foi realmente muito legal a entrevista (modéstia a parte rsrs).
Mauride,qdo tentamos continuar e aprimorar esse Projeto, no Clube de Xadrez Prof.Hélio Saldanha de P. do Sul,tinhamos em mente a importância de ensinar e incentivar nossas cças e jovens no aprendizado de Xadrez.
Hoje temos orgulho da repercussão,tornando o Xadrez ferramenta multidisciplinar. Da sementinha plantada e cultivada tornou-se árvore frondoza com belos frutos!! Parabéns " PENSAR GDE. PARA REALIZAR GDE.". Abç
Obrigado Jerry e também agradeço ao Maurides pela bela iniciativa que está realizando com as entrevistas!
Parabéns à entrevista com um dos maiores especialistas em xadrez nas escolas, que tem no Paraná o embrião nacional através dos esforços do GM Jaime Sunyé e outros grandes profissionais.
Sim, MI Resende. Felizmente tive o privilégio de poder contar sempre com o apoio do GM Sunye, figura de valor inestimável para o xadrez brasileiro!
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